Coluna Especial – Dia do Trabalhador, 01 de maio de 2025
Há trabalho que se materializa em concreto e aço. Há trabalho que se evapora em palavras e números. E há trabalho – raro, quase sagrado – que se esculpe no próprio corpo e se revela no bailado de músculos sob holofotes de estádios.
Em dias como o de hoje, exaltamos o operário, o professor, o caminhoneiro e o médico. Mas permitam-me dirigir nosso olhar para um tipo particular de trabalhador: aquele que faz do próprio corpo sua matéria-prima, sua oficina e sua obra final.
Cristiano Ronaldo – nome que há duas décadas ecoa pelos quatro cantos do planeta – talvez seja o exemplo mais extraordinário do que significa trabalhar incansavelmente no invisível. Enquanto aplaudimos seus gols e dribles, poucos percebem a sinfonia silenciosa que acontece entre suas refeições meticulosamente planejadas, suas cinco sonecas diárias e sua obsessiva recusa a qualquer gota de álcool.
Aos quarenta anos, quando a maioria dos atletas já descansa nas recordações, CR7, como também é conhecido, segue sendo escultor impiedoso do próprio corpo. Cada fibra muscular de suas pernas é resultado de milhares de horas de trabalho que nunca vemos, de escolhas feitas na solidão de sua cozinha funcional, na harmonia estabelecida entre fisiologista, nutricionista e gastrônomo, no silêncio de seu quarto em total escuridão para maximizar a produção de hormônios reparadores a fim de alcançar o seu último sonho como jogador profissional: chegar ao milésimo gol. Feito inédito!
Há algo de monástico nesse português. Algo de asceta medieval em sua recusa aos prazeres imediatos em nome de uma glória maior e mais duradoura.
E é impossível, neste Dia do Trabalhador, não sentir uma melancolia profunda ao lembrar de nossos gênios brasileiros que não compreenderam essa dimensão do trabalho invisível. Ronaldinho Gaúcho – ah, que dor escrever este nome! – carregava nos pés a magia que poucos humanos conheceram. Era capaz de fazer a bola confessar segredos que ela não revelaria a mais ninguém.
Mas enquanto Cristiano transformava cada refeição em combustível preciso para sua máquina humana, nosso Bruxo de Porto Alegre escolhia o caminho das noites sem fim, dos churrascos sem medida, do corpo tratado como acidente e não como instrumento sagrado.
Não há como não imaginar: e se Ronaldinho tivesse a disciplina de um Cristiano? E se nosso mágico compreendesse que o corpo é o primeiro campo que precisamos dominar? Teríamos visto sua dança por mais uma década, teríamos aplaudido seus sorrisos em mais uma Copa.
E o que dizer de Adriano Imperador? Aquele “tanque” que, por um breve momento, parecia invencível, seus chutes eram verdadeiras patadas, tinha um canhão na perna esquerda. Nos raros lampejos de seriedade total, era uma força da natureza que fazia zagueiros tremerem como crianças, de tão forte e habilidoso que era. Mas enquanto Cristiano contabilizava proteínas e antioxidantes, Adriano se perdia nas noites das comunidades do Rio de Janeiro e na indisciplina que roubou dele o que poderia ter sido uma carreira imortal.
Anderson, brasileiro que teve o privilégio de compartilhar vestiário e morar na casa de Cristiano, enquanto atleta do Manchester United, confessou o que talvez seja a mais sincera e dolorosa verdade: “Eu só queria ter 10% da mentalidade de Cristiano Ronaldo”. Nessas poucas palavras reside todo um epitáfio de talentos desperdiçados, de carreiras que poderiam ter sido e não foram.
O brilhante atacante Nani, compatriota que morou com Ronaldo e absorveu parte de sua ética, conseguiu construir uma carreira respeitável e vitoriosa. Não por acaso, foi um dos poucos colegas de Manchester a evitar o declínio precoce.
Mas nem tudo são lágrimas em nossa terra. O Brasil também produziu seu monge guerreiro, seu próprio símbolo de disciplina absoluta. Zé Roberto, que hoje, aos cinquenta anos, exibe um físico que envergonharia homens décadas mais jovens. Em um país que celebra o “jeitinho” e a improvisação, ele escolheu o caminho árduo da consistência implacável.
Zé Roberto é considerado um exemplo raro de longevidade no futebol profissional, tendo atuado em alto nível até os 43 anos e ultrapassado a marca de 1.000 jogos como profissional.
O próprio Zé Roberto destaca que sempre teve uma rotina rigorosa de cuidados com o corpo, que incluiu alimentação balanceada, sono de qualidade, hidratação, treinamento constante e disciplina no dia a dia. Ele afirma nunca ter tido vícios como álcool ou cigarro e sempre priorizou a recuperação física após jogos e treinos.
> “Eu não tenho vícios. Não bebo álcool, não fumo, eu me alimento bem …”, revelou Zé Roberto ao explicar seu segredo para jogar por tanto tempo.
Esse nível de compromisso, essa capacidade de dizer “não” diariamente durante décadas, não é apenas disciplina. É um tipo particular de heroísmo cotidiano.
Neste Dia do Trabalhador, quando celebramos aqueles que constroem nosso país com o suor de cada dia, talvez devêssemos também reverenciar esses artesãos especiais – Cristiano Ronaldo e Zé Roberto – que elevaram o conceito de “trabalho duro” a um patamar quase espiritual.
Eles nos ensinam que o verdadeiro trabalho não acontece apenas quando outros estão olhando. Acontece na madrugada silenciosa, quando você escolhe a salada em vez do doce. Acontece no fim de semana, quando seus amigos celebram e você se recolhe para recuperar. Acontece a cada segundo de cada dia, na intimidade das pequenas escolhas que, somadas, definem não apenas carreiras, mas vidas inteiras.
Cristiano e Zé Roberto não são apenas jogadores de futebol extraordinários. São sacerdotes de uma religião particular onde o corpo é templo, a disciplina é oração, e a excelência, através dos anos, é a única forma aceitável de adoração.
E no mundo apressado e descartável em que vivemos, sua dedicação monástica ecoa como um lembrete quase doloroso: não há atalhos para a grandeza verdadeira – há apenas o longo, áspero e glorioso caminho do trabalho invisível.
Colunista/ Marcelo Mesquita é servidor público da Secretaria de Comunicação do Tribunal Regional do Trabalho – RJ e colunista esportivo do SEMEAR Notícias.